Algumas pessoas têm a sorte de deitar na cama, fechar os olhos e adormecer quase instantaneamente. No entanto, para outros, a realidade é bem diferente: eles passam horas encarando o teto, observando o relógio, tentando achar uma nova posição, mas acabam se revirando a noite toda, repetidamente, noite após noite.
A insônia é um problema comum que afeta entre 10% e 15% da população mundial. Esse distúrbio pode ser provocado por uma combinação de fatores biológicos e comportamentais. Mulheres, pessoas que trabalham em turnos noturnos e idosos são os grupos mais propensos a sofrer de insônia. Além disso, a insônia pode ter um componente hereditário, sendo passada de geração em geração. Nos últimos tempos, também foi observado que a COVID-19 pode desencadear novos casos de insônia, trazendo ainda mais desafios para quem já luta contra o sono.
Embora todos nós possamos ter uma noite mal dormida ocasionalmente, seja por estresse ou mudanças no estilo de vida, a insônia crônica é um problema muito mais sério. Ela se manifesta quando a dificuldade para dormir ocorre pelo menos três vezes por semana e persiste por mais de três meses, sem que haja uma explicação médica clara. Para aqueles que sofrem de insônia em seu estágio mais grave, o problema pode se tornar debilitante, afetando a capacidade de realizar atividades diárias e impactando a qualidade de vida. Muitas pessoas convivem com essa condição por anos, mas só buscam tratamento quando se aposentam ou têm mais tempo livre, percebendo, finalmente, a necessidade de cuidar de sua saúde.
A insônia não é apenas um incômodo — ela está associada a uma série de problemas de saúde graves, como hipertensão, diabetes, obesidade, depressão, ataques cardíacos e derrames. Além disso, dormir mal pode afetar negativamente o humor e a qualidade de vida, tornando as pessoas mais irritadas e menos produtivas.
A boa notícia é que a maioria das pessoas pode superar a insônia com a ajuda de algumas mudanças de hábitos e da Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia (TCC-I). Essa abordagem, amplamente reconhecida como eficaz, pode ajudar a redefinir os padrões de sono e melhorar a qualidade de vida. No entanto, esse processo exige paciência e pode ser desafiador no início.
Redefinindo o Horário de Sono
A TCC-I pode ser comparada a um “programa de reeducação cerebral”, conforme explica o Dr. Jing Wang, diretor clínico do Mount Sinai Integrative Sleep Center noa Estados Unidos. Durante quatro a oito semanas de sessões semanais, os pacientes trabalham com um especialista para identificar e modificar os comportamentos que perpetuam sua insônia. Um dos principais componentes desse tratamento é a terapia de restrição do sono, que busca criar novos hábitos em torno da hora de dormir.
Nesse processo, os pacientes são orientados a manter um diário do sono, registrando a hora em que vão para a cama, quando acordam e quantas horas realmente dormem. Com essas informações, os médicos criam um cronograma personalizado. Por exemplo, se uma pessoa vai para a cama às 20h e acorda às 6h, mas só dorme efetivamente por seis dessas horas, o objetivo é ajustar o horário de dormir para maximizar o tempo de sono efetivo e minimizar o tempo em que a pessoa fica acordada na cama.
Com o tempo, esse horário de dormir vai sendo ajustado gradualmente, em incrementos de 15 minutos por semana, até que a pessoa consiga dormir por 85% a 90% do tempo em que está na cama. Isso significa que, ao invés de ficar se revirando na cama, a pessoa dorme a maior parte do tempo, o que ajuda a recondicionar o cérebro a associar a cama ao sono, e não à frustração de não conseguir dormir.

Desafios e Cuidados na Terapia
Embora a TCC-I seja uma solução segura e eficaz para a maioria das pessoas, a restrição do sono pode ser um processo exaustivo. Nos primeiros dias, a privação de sono pode deixar as pessoas ainda mais cansadas e frustradas, o que pode ser desanimador. Por isso, é importante ter cautela, especialmente para pessoas com condições de saúde como epilepsia ou transtorno bipolar, já que a privação de sono pode desencadear crises nesses casos. Além disso, pessoas em profissões que exigem alta vigilância, como motoristas, devem adotar a TCC-I com cautela.
Durante as primeiras semanas do tratamento, é comum que as pessoas se sintam mais sonolentas durante o dia. Para lidar com isso, os especialistas recomendam evitar comportamentos arriscados, como dirigir, e preencher as horas antes de dormir com atividades relaxantes, como escrever em um diário, tomar um banho quente ou meditar. Essas práticas podem ajudar a acalmar a mente e preparar o corpo para o sono.
Melhorando a Higiene do Sono
Outro aspecto fundamental da TCC-I é melhorar a higiene do sono, que envolve criar um ambiente e adotar hábitos que favoreçam o sono de qualidade. Um dos principais conselhos é reduzir a exposição às telas, como celulares, computadores e televisores, pelo menos uma a duas horas antes de dormir. Isso porque a luz emitida por esses dispositivos inibe a produção de melatonina, o hormônio que regula o sono.
Além disso, o conteúdo que consumimos nas telas também pode interferir no sono. Notícias, filmes de terror ou programas de televisão emocionantes podem deixar a mente agitada, dificultando o relaxamento necessário para adormecer. Manter o quarto escuro e tranquilo também é essencial. Outra dica é evitar olhar para o relógio durante a noite, já que isso pode gerar ansiedade e piorar a insônia.
Veja mais em: O que é Higiene do Sono?
Alimentação e Sono
A alimentação também desempenha um papel importante na qualidade do sono. É recomendável evitar refeições pesadas antes de dormir, pois a digestão pode interromper o sono. Além disso, o consumo de cafeína deve ser limitado ao início do dia, para que seus efeitos estimulantes não interfiram no sono noturno.
Tenha atenção ao consumo de álcool. Embora o álcool possa te fazer dormir mais rápido, ele não é um aliado do sono de qualidade. Depois que você pega no sono, o álcool pode relaxar demais os músculos das vias aéreas superiores, aumentando o risco de apneia obstrutiva do sono – até mesmo em quem nunca teve esse problema. Além disso, o álcool bagunça a sequência natural dos ciclos de sono, o que pode prejudicar o funcionamento do cérebro. Por isso, não é incomum acordar várias vezes durante a noite e ter dificuldade para voltar a dormir depois de beber.
Outro ponto importante é o hábito de cochilar durante o dia. Embora cochilar seja saudável para quem não tem problemas de sono, para quem está passando pela TCC-I, isso pode atrapalhar o progresso. Cochilar diminui a pressão do sono, tornando mais difícil adormecer na hora certa à noite.
A Medicação no Tratamento da Insônia
As diretrizes clínicas da Academia Americana de Medicina do Sono recomendam consistentemente a TCC-I como o tratamento de primeira linha para a insônia crônica. Diversos estudos compararam a eficácia da TCC-I com medicamentos para dormir e, em geral, a terapia comportamental é igualmente eficaz no curto prazo, mas com resultados mais duradouros a longo prazo. A TCC-I também tende a causar menos efeitos colaterais e a reduzir as chances de recaída.
Os suplementos de sono que você encontra facilmente nas farmácias são uma história à parte. É crucial evitar a dependência de produtos químicos como os remédios controlados ou gomas de melatonina. Se você estiver doente e precisar usar um desses, tudo bem. Mas quando se trata de melatonina, em particular, há uma grande variação nos efeitos e um alto risco de uso inadequado, que pode acabar piorando a situação ao invés de ajudar. Por isso, não é recomendado a automedicação para tratar insônia.
No entanto, em alguns casos mais graves, pode ser necessário combinar a TCC-I com medicamentos prescritos. A decisão deve ser tomada em conjunto com o médico, que pode avaliar se essa abordagem é adequada.
Uma Luz no fim do túnel
A TCC-I começa a mostrar resultados em algumas semanas, mas o tempo necessário para observar melhorias significativas pode variar de pessoa para pessoa. Algumas podem notar mudanças em quatro semanas, enquanto outras podem precisar de 6 a 12 semanas. O importante é manter a consistência e não desanimar, mesmo que o progresso pareça lento.
Os especialistas reforçam que, com paciência e persistência, é possível transformar as noites de sono e melhorar significativamente a qualidade de vida. Longas e tranquilas noites de descanso estão ao alcance daqueles que se dedicam a seguir o tratamento, deixando para trás o tormento da insônia e redescobrindo o prazer de dormir bem.